Vítor Rios (Gigito)
O Judeu de Oklahoma - Entrevista com Mark Rubin

"Eu simplesmente acredito que há uma trilha sonora para uma cultura viva." Mark Rubin
Mark Rubin talvez seja mais conhecido pelo seu trabalho realizado no Bad Livers tocando baixo e tuba, mas, além de diversos outros projetos do qual participou, ele vem desde 2015 se lançando em uma carreira solo que começou com seu primeiro álbum “Southern Discomfort”. Multi-instrumentista, ele se intitula como o 'Judeu de Oklahoma' e lançou recentemente neste ano seu mais novo álbum, o corajoso e poderoso “The Triumph of Assimilation”. Em músicas como “A Day of Revenge”, “It's Burning”, “The Murder of Leo Frank”, “My Resting Place”, “Unnatural Disasters”, ele nos apresenta um álbum com uma clara e forte mensagem. São interpretações de poemas e letras próprias, nos trazendo um belo álbum que nos põe a refletir sobre xenofobia, racismo e intolerância. Eu sinto que seu álbum é uma resposta a vivências próprias, como um judeu na América, e a outras histórias que podem também se refletir muito bem na nossa realidade sul americana.
Como um fã do seu trabalho, entrei em contato para realizarmos uma entrevista a respeito do seu novo trabalho.
1. Oi Mark, antes de tudo eu gostaria de lhe agradecer por topar fazer essa entrevista conosco para o portal da Brazilian Bluegrass Music Association.
Um verdadeiro prazer. Um abraço a todos os aficionados pelo Bluegrass!
2. Como um grande fã, eu gostaria de começar falando um pouco sobre seu trabalho no Bad Livers. Como você analisa o legado que o grupo deixou para a música hoje?

Como um dos Bad Livers é difícil de avaliar. Em última análise, você nunca sabe realmente qual será o seu impacto no mundo enquanto você está fazendo algo, não? Eu não teria ideia de que haveria alguém me fazendo essas perguntas do Brasil 30 anos depois, por exemplo. Para mim, descobri que não cabe a mim analisar nossa influência como tal. Eu só posso me concentrar no que posso ver na minha frente e isso é uma perspectiva limitada na melhor das hipóteses. Para ser honesto, não acho que você teria visto o banjo no palco, na cultura popular da maneira que viu nas últimas décadas. Para ser honesto. Eu sei que a música americana seria muito diferente se não houvesse Bad Livers e isso por si só é o suficiente para mim.
3. Você certamente acumulou uma vasta experiência como músico (tocando e produzindo) ao longo dos anos, mas resolveu se lançar como músico solo, nomeando-se como “Jew of Oklahoma”, somente no lançamento do álbum “Southern Discomfort” (2015). O que, após tantos anos na cena musical, fez você sentir necessidade de se colocar como frontman com um trabalho puramente autoral?
Sim, demorou muito para que eu sentisse que havia reunido meus pensamentos e organizado bem o suficiente para apresentá-los. Fiquei comovido não apenas pelos eventos recentes, pelos traumas da história e como eles ressoam. Estes foram tempos dinâmicos na América e ao longo de minhas muitas décadas de viagens e observação, tenho algumas coisas a dizer. Espero que o que tenho a dizer seja consequencial ou pelo menos significativo para alguém.
4. Seu mais novo álbum “The Triumph of Assimilation” traz uma mensagem direta e bastante poderosa. Após ouvir pela primeira vez, pensei como este é um álbum político muito corajoso e bastante assertivo. Como você enxerga a forma que o meio musical do country/bluegrass trata os judeus e as minorias em seu contexto? Você considera que este meio tem uma mente aberta para diferenças?
Bem, historicamente a música americana tem sido péssima para quem é de fora. “Branquitude” em sua forma cristã protestante é o padrão básico e não deve haver derivações. Eu estava sentado no ônibus da turnê de um líder de uma banda de Bluegrass muito amado e famoso saindo com ele e sua banda depois que os Bad Livers, ele e alguns outros colegas de gravadora tinham acabado de fazer um show juntos em Nashville. Na época, eu estava pensando em deixar Austin e me mudar para lá para que pudesse conseguir rotas mais tradicionais do Bluegrass quando os Bad Livers não estivessem na estrada e estivéssemos cada vez menos em turnê. Eu estava sentado entre este famoso líder de banda e seu famoso baixista quando mencionei isso. Naquele ponto, você poderia ouvir um alfinete cair no ônibus. Silêncio mortal. Eu olho para o líder da banda e digo "Qual é o problema?" E ele disse: “Já temos um baixista judeu em Nashville”. Ele se referia a Mark Schatz, eu acho, mas fiquei chocado. Eu disse: "Sério, é isso que você está me dizendo?" O líder da banda coloca a mão no meu ombro e diz: "Nós alugamos o estacionamento da igreja e não acho que veremos você lá. É melhor você ficar no Texas, é o que é melhor você fazer.” Até aquele momento, nunca houve um único caso do fato de eu ser judeu vir a tona. Somente agora. “Está tudo bem estar no Bad Livers”, disse ele, “mas para tocar Bluegrass, não, isso não é para você”. Não vou dizer quem foi porque não quero que seus fãs pensem menos dele, e porque ele não estava sendo mau, ainda o considero um amigo e ele estava me dizendo a simples verdade. Não. A música tradicional de raiz americana trata qualquer coisa que não seja hetero, masculino e cristão como inexistente.
5. Músicas como “The Murder of Leo Frank” me fizeram pesquisar um pouco mais sobre essa triste história e pensar como ainda é importante passar uma mensagem em um mundo que ainda alimenta muito a xenofobia, o racismo e o preconceito. Essas histórias tem um papel fundamental de nos lembrar que ainda não estamos muito distantes de tragédias do passado. Como você enxerga o papel da música americana na conscientização das pessoas?
Obrigado por pesquisar sobre isso. Esse é realmente o objetivo dessas músicas. Desafiar e inspirar. E eu acho que sua pergunta é a resposta. As canções folclóricas são perigosas, pois geralmente são os únicos contadores da verdade confiáveis que temos. Especialmente quando os vencedores escrevem os livros de história.
6. Aqui no Brasil temos um movimento pequeno, mas crescente, de pessoas interessadas no bluegrass, country e estilos próximos, por mais que as bandas daqui não toquem propriamente o bluegrass tradicional, mas busque nesse som uma inspiração. O que você acha de pessoas de outros países que são apaixonadas pelo bluegrass e tocam esse tipo de música de uma maneira própria que está fora do contexto da tradição?
Uma boa pergunta. No meu bairro, não estou brincando, tem um pequeno grupo de músicos que se reúne, estuda e toca o Choro Brasileiro. É maravilhoso. Forró, choro, samba, tradições musicais incríveis, todos tocados uns por expatriados e outros por pessoas locais que simplesmente se encantam com a diversão da música. Acho que tocar música é ótimo e ser inspirado pelas tradições de outra pessoa também é incrível. Eu simplesmente sugiro que a pessoa esteja atenta à cultura que criou essa grande arte e seja respeitosa. Não acredito em “gêneros”, francamente, também não acredito em “música”. Eu simplesmente acredito que há uma trilha sonora para uma cultura viva, então quando estou tocando a música de outra pessoa, penso nisso como se estivesse entrando na cultura dela e gostaria de não ser visto como um idiota enquanto estou fazendo isso. Apenas tente ser um bom vizinho e você não irá errar. Boas maneiras.
7. A música “My resting place” tem a participação de Danny Barnes no banjo. Seu parceiro de longas datas. Eu fiquei feliz em ouvir. Apesar de vocês já terem tocado juntos em algumas ocasiões após a pausa com o Bad Livers, esta parece ter sido a primeira gravação em anos que vocês aparecem juntos tocando, estou certo?
Na verdade não. Regravamos uma velha canção do BL chamada “Lathe Crick Dos”, mais um trabalho experimental da produção de Barnes: https://soundcloud.com/wildknees/lathe-crick-dos.
Fiquei emocionado por tê-lo em meu novo CD.
8. Na entrevista que realizei com ele, ele disse haver um plano para lançar um novo álbum com os Bad Livers, o que você pode nos contar mais sobre isso?
É o que fala Barnes! Isso é tudo que eu sei. Os itens da agenda do Bad Livers entram na programação de Danny e ele é um homem ocupado. Tenho muitas coisas acontecendo, mas ambos concordamos em princípio em criar um novo lançamento. Dan diz que tem um monte de músicas. 9. Para terminar, eu gostaria de te agradecer por tudo. E deixo então esse espaço para você falar o que mais desejar. Muito obrigado!
Bem, vocês são muito bem-vindos. Em segundo lugar, se você é um baixista procurando melhorar seu modo de tocar Bluegrass, recomendo fortemente que você pesquise a produção de Marshall Wilborn. Comece com "Johnson Mountian Boys: Live at the Old School House" e continue daí. Ele recentemente deu uma longa entrevista no YouTube que vale a pena conferir.
O melhor baixista vivo do gênero e será lembrado como um grande, por muito tempo depois que ele se for. Dê uma olhada nele, você ficará feliz por ter feito isso. Atenciosamente e muito obrigado.
Para conhecer mais sobre Mark Rubin, acesse www.jewofoklahoma.com .