Às vésperas do lançamento do seu novo álbum, o banjoísta português Andre Dal nos deu o privilégio de uma entrevista muito especial, falando sobre sua carreira, o cenário bluegrass em Portugal, o processo criativo do seu novo disco e muito mais!
"...ter gravado este álbum foi o concretizar de um dos meus maiores sonhos de vida"
Andre Dal
BRBMA: Há quanto tempo toca bluegrass?
Andre Dal: Comecei a aprender a tocar banjo de 5 cordas, estilo bluegrass, em 1997, quando estava a fazer um programa de intercâmbio de estudantes da universidade em Londres, Inglaterra.
Apesar de ter começado a aprender a tocar banjo já há mais de 20 anos, a aprendizagem foi muito gradual e só a partir de 2007, ano que fui a um festival de Bluegrass pela primeira vez, comecei a ter uma evolução mais significativa.
BRBMA: Como conheceu e o que te levou a tocar banjo?
Andre Dal: Quando vi pela primeira vez o filme Deliverance, em 1992 (em Portugal chama-se Fim de Semana Alucinante) e vi aquele duelo de guitarra e banjo, Duelling Banjos, fiquei apaixonado pela destreza dos músicos e pelo ritmo da música.
Pouco depois, comprei a banda sonora do filme, que é um álbum de banjo, com Eric Weisseberg e foi nessa altura que pensei que adorava comprar um banjo para aprender.
BRBMA: Com a banda Stonebones & Bad Spaghetti vocês conseguiram criar um espaço para o bluegrass em Portugal que era praticamente inexistente. Como foi encontrar esse espaço, criar esse interesse e apresentar algo pouco conhecido ao público português?
Andre Dal: Em Portugal, houve uma banda que abordou o bluegrass mais a fundo em 1980 mas a banda durou menos de um ano. Outras bandas abordaram o bluegrass mas de um modo muito superficial. Assim, nunca houve uma banda e músicos suficientes para fazer crescer o bluegrass em Portugal. São precisas décadas para criar uma cultura musical mas, em primeiro lugar, são precisos músicos.
Até 2010, praticamente não houve nada. Os Stonebones & Bad Spaghetti apareceram e demoraram algum tempo a estabilizar. E, apesar de ainda sermos desconhecidos em Portugal, começamos a ver os frutos de 10 anos de trabalho. Em 2020, a pandemia retirou muito trabalho a muitos músicos, incluindo aos Stonebones & Bad Spaghetti, infelizmente, uma vez que 2020 seria o ano em que faríamos mais concertos em toda a nossa actividade, resultado desse crescente reconhecimento de existir uma banda de bluegrass em Portugal.
Aos poucos, as pessoas vão começando a conhecer o estilo e, claro, depois de ver uma banda de bluegrass ao vivo, é impossível ficar indiferente.
BRBMA: Antes do YouTube e outras plataformas, no Brasil era muito difícil encontrar material de estudo para bluegrass. Como era em Portugal e como foi seu acesso à materiais de estudo, repertório, etc?
Andre Dal: Em Portugal também foi muito difícil arranjar material para estudar. Como não tenho formação musical, tive de aprender a ler tablatura e, durante anos, apenas tive o livro do Tony Trischka, Melodic Banjo, que comprei em Londres em 1997. Mas sem experiência em ler tablatura, demorei muitos anos a conseguir tocar as músicas do livro. Conseguia aprender algumas músicas de ouvido quando conseguia arranjar as músicas em cassetes. Mas nos primeiros tempos e até aparecer a internet e, principalmente, o Youtube, o Banjo Hangout, o Ebay, e até começar a ir a festivais de bluegrass, que é onde se aprende mais, foi uma aprendizagem muito lenta. E o desconhecimento era grande, de tal forma que, quando conheci o Bill Keith na Holanda, em 2007, lhe disse que pensava que ele já tinha morrido. Porque pensava que todos os primeiros músicos de bluegrass, da primeira geração, já tivessem morrido.
BRBMA: Dia 17 você lança seu álbum solo Beyond The Tagus River, que conta com um grande time de All Stars com músicos do mundo inteiro. Gostaríamos primeiramente de parabenizar por esse maravilhoso trabalho que você está trazendo ao mundo do bluegrass e da música. Como foi o começo do processo criativo para este disco?
Andre Dal: Muito obrigado. Este trabalho é muito pessoal e com dois objetivos específicos.
Em 2010, comecei a desenvolver uma doença conhecida como Distonia Focal. Durante um ano, não sabia o que se passava e tentei ultrapassar o problema tentando praticar mais e mais. Ao fim de um ano, fiquei a saber que a distonia focal é uma doença neurológica que não tem cura e faz com que os dedos da mão direita, no caso dos banjoistas, deixem de obedecer às ordens dada pelo cérebro. No meu caso, o indicador da mão direita começou a encolher muito e deixei de conseguir tocar bem. Como nunca fui profissional e só tocava por gosto e paixão, nunca pensei em desistir e tentei arranjar alternativas. Troquei de dedos e comecei a tocar com polegar, médio e anelar. Mas sabia que a doença haveria de evoluir e pensei que tinha de gravar um álbum antes que fosse tarde demais.
Assim, em 2013, comecei a fazer umas gravações de originais meus com mais uns amigos que conheci em festivais de bluegrass. Mas foi apenas isso, um EP de 4 músicas não concluído e só voltei a gravar em 2017, precisamente porque percebi que a doença estava a evoluir. No entanto, como não havia disponibilidade de outros músicos para gravar, à excepção de um guitarrista, o projecto voltou a ficar na gaveta. Mas eu acabei a parte do banjo e ainda bem, porque atualmente, com a progressão da distonia, sinto que já não conseguiria gravar com a mesma qualidade.
Em 2020, pensei que, além de gravar um álbum para registro do meu percurso como banjoísta, precisava de ter um álbum de bluegrass instrumental de boa qualidade, com músicas originais e covers, para mostrar ao público e músicos portugueses o que é o Bluegrass. Assim, para atingir o segundo objetivo, convidei músicos amigos com os quais já fiz jams em festivais de bluegrass a participarem no álbum. Como não tinha como lhes pagar, eu assumi que as gravações teriam de ser caseiras, com o equipamento que cada um tinha. E eles concordaram logo em participar.
Basicamente, o processo passou por gravar primeiro o banjo com drum set ou click, depois o contrabaixo, que também é português, e depois enviar para todos os outros músicos. No fim, os músicos enviaram as músicas de volta e eu procedi à montagem e edição das pistas. Foi um processo complicado e demorado.
Nunca pensei que o resultado ficaria tão bom. De tal modo que, quando chegou a altura da mistura (mixagem) e masterização, pensei logo que tinha de ser alguém que tivesse experiência em misturar e masterizar bandas de bluegrass.
BRBMA: Sabemos que fazer um disco é muito trabalhoso, ainda mais um disco solo. Depois de todo esse processo de gravação, como está sendo ver toda a comunidade de bluegrass no mundo falando sobre e apoiando muito o seu trabalho?
Andre Dal: Muito, muito bom. Sabia que o álbum tinha uma qualidade próxima de álbuns de bluegrass instrumentais feitos nos Estados Unidos, porque os músicos são todos muito bons e conhecedores do estilo e a mistura e masterização foram muito bem conseguidas, mas a recepção das rádios de bluegrass, das revistas de bluegrass e da comunidade no geral foi espectacular. Acho que pelo fato do álbum estar ligado a Portugal, mas com músicos de tantos países, a reação é ainda mais positiva.
Em Portugal, apesar de ser mais difícil conseguir chegar aos meios de comunicação, também se começa a falar mais no álbum e no bluegrass, mais lentamente, claro.
Para mim, pessoalmente, ao longo da minha vida como músico sempre tive sonhos que achava difíceis de concretizar, especialmente depois da distonia focal aparecer, mas com perseverança e dedicação fui conseguindo tornar esses sonhos realidade. Neste momento, sei que dificilmente voltarei a tocar como antes, apesar de nunca ter atingido um nível profissional, mas posso dizer que ter gravado este álbum foi o concretizar de um dos meus maiores sonhos de vida. E só tenho a agradecer à minha família, amigos e, em especial, à minha família bluegrass, uma comunidade em que a amizade está acima de tudo. Obrigado.
O disco "Beyond the Tagus River" será lançado amanhã, 17 de Junho e você pode fazer a pré-reserva agora mesmo clicando aqui. Nosso sincero agradecimento ao Andre pela entrevista e desejamos muito sucesso ao novo trabalho!
Interessante saber de Bluegrass em Portugal.Muito legal.